Roteiros Turísticos do Património Mundial: No Coração de Portugal
No extremo sudoeste europeu encontra-se uma região a que podemos chamar o Coração de Portugal. Muitos dos acontecimentos que estiveram na origem de Portugal - o reino com as fronteiras mais antigas da Europa - deram-se nesta região, uma região atravessada pela História, mas também por mitos e lendas. A existência de três dos mais importantes monumentos portugueses considerados Património da Humanidade pela UNESCO, numa área de pouco mais de 90 km2 atesta este facto excepcional.
A Abadia de Santa Maria de Alcobaça, da Ordem de Cister, foi fundada em 1153 pelo primeiro rei de Portugal, D. Afonso I, com a bênção de São Bernardo de Claraval. Trata-se de um dos mais bem conservados mosteiros cistercienses, onde podemos encontrar as dependências originais do conjunto monástico e uma das mais monumentais igrejas da ordem. Não por acaso, foi também a partir de Alcobaça que se procedeu ao desbravamento de um território que era, outrora, pantanoso e ingrato, tornando-o um autêntico vergel e pomar do reino.
Para proteger estes territórios e a pedido do rei, estabeleceu-se, mais a sul, um castelo construído pelos cavaleiros templários. Fundado em 1160, em Tomar, tornou-se a sede portuguesa da Ordem do Templo e um dos mais importantes lugares templários fora da Terra Santa. Aqui, os cavaleiros asseguraram a manutenção das terras conquistadas e lançaram ofensivas para sul, expandindo os domínios cristãos. Quando a Ordem do Templo foi extinta, após um famigerado e insólito processo, foi criada em Portugal, para lhe dar continuidade, a Ordem de Cristo. A sede dos cavaleiros de Cristo passou a ser, naturalmente, Tomar. Aqui se estabeleceu o infante D. Henrique e, desde o século XV até meados do século XVI, ao edifício templário original vieram acrescentar-se dependências monásticas dos mais variados estilos. A última fase de construção resultou numa formidável ampliação arquitectónica, verdadeira obra-prima do Renascimento. A Ordem de Cristo, por seu turno — como que mantendo viva a famosa e alusiva “missão templária” — desempenhou um papel fundamental nos descobrimentos portugueses.
Mas foi também nas imediações do velho mosteiro cisterciense e a norte de Tomar que se escreveu uma das páginas mais dramáticas da História de Portugal: a Batalha de Aljubarrota. Desenrolou-se no dia 14 de Agosto de 1385 e opôs o exército português, com cerca de três mil homens, ao exército do reino de Castela, com cerca de quarenta mil. Tratava-se de assegurar que D. João de Avis, aclamado rei de Portugal, resistisse à tomada do trono por D. Juan I de Castela. Embora a desproporção das forças fosse evidente, o exército português, com aliados ingleses, comandado por D. João e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, ocupou uma posição estratégica favorável e adoptou uma táctica que levou de vencido o poderoso exército castelhano e os seus aliados franceses. No campo militar de Aljubarrota construiu-se uma ermida dedicada a São Jorge para comemorar o recontro, enquanto que, um pouco mais a norte, foi construído o Mosteiro de Nossa Senhora da Vitória - também conhecido por Mosteiro da Batalha - prometido por um voto à Virgem feito nas vésperas do grande embate pelo agora monarca vencedor. Obra-prima do gótico tardio, o mosteiro, fundado em 1385, viria a tornar-se, com a morte de D. João I, o panteão oficial da nova dinastia reinante em Portugal.
Estes três monumentos constituem um autêntico compêndio da arte e arquitectura medievais e um retrato único da sedimentação histórica na formação da Europa. Alcobaça revelou-se um projecto não apenas de consolidação territorial em pleno período feudal, mas também de consolidação cultural - já que o mosteiro foi, também, um lugar de concentração da cultura medieval, onde pontificou a mais vasta biblioteca de Portugal; Tomar, para além de manter viva uma ligação aos “mistérios templários”, constituiu um centro do poder militar e da expansão europeia; enquanto que a Batalha consagrou uma geração de homens - entre vencedores e vencidos - que configurou os contornos da Europa e do mundo modernos.
Coração de Portugal. Coração porque, muito antes, muito depois e muito para lá dos factos históricos, esta região se manteve um lugar de encontro de culturas, que se exprimiu no sincretismo do povo “moçárabe”, lugar onde se formou a identidade portuguesa. Para mais, é neste “triângulo mágico”, como já alguém lhe chamou, que se encontra uma natureza, simultaneamente agreste e acolhedora, nos cumes e vales das serras de Aire e Candeeiros — onde se manifestam, com uma força inaudita, os quatro elementos —, e um dos maiores centros de peregrinação religiosa do mundo: Fátima.
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